
Luis Paulino Neto é o misterioso peregrino em O Homem Que Não Dormia, de Edgard Navarro Foto: Calil Neto
Seja cristão ou não, receba no coração. É a frase que dá o pontapé inicial a O Homem Que Não Dormia e que não pode deixar de ser citada, sob pena de fugir do espírito conflituoso do filme que encerrou, na noite de ontem, a Mostra Internacional de Longas do CineFuturo. Logo a seguir, antes dos créditos, entramos em um mundo de perplexidades que nos atinge em cheio como a visão do inferno. É a sequência do sonho, que é mais que um pesadelo.
Os sonhadores são eles, não tão difíceis de encontrar em qualquer cidade: um padre que vive o conflito da falta de fé, uma mulher que trai o marido, espécie de coronel do lugar, um rapaz epiléptico que é constantemente espancado pelo pai, uma mulher de vida livre e um louco sonhador que sobreviveu às torturas no tempo da ditadura.
Eles vão se deparar ainda com um inesperado peregrino, que chega à cidade, e a presença de um barão que surge como elemento de ligação entre o real e o imaginário nesse doloroso caminho de investigação da vida que nos transporta, como presas, a um não-lugar selvagem, purgatório de feras em atmosfera mística e barroca de referências bíblicas, como o cinema de Pasolini e Glauber Rocha, e de evocação à cultura popular.
Quem foi ao Teatro Castro Alves pensando encontrar o lirismo que marcou o longa anterior de Edgard Navarro, Eu Me Lembro, pode ter se decepcionado. Navarro levou meia Bahia para uma noite de celebração e espanto, porque O Homem Que Não Dormia nos diz, o tempo inteiro, que não são apenas aqueles os danados.
Esse é um dos inúmeros méritos do filme: demônios soltos, o cineasta nos reivindica, para além da capacidade de meros observadores, como participantes daquela danação. Em cerca de 100 minutos, a vida será uma misteriosa e enigmática agonia dos personagens em busca de paz. Estranho, um mundo muito estranho, como diria o David Lynch de Veludo Azul.
Mesmo em confronto em suas propostas narrativas, não é difícil encontrar pontos que se tocam em Eu Me Lembro, o filme anterior e primeiro longa de Edgard Navarro, e O Homem Que Não Dormia, que apontam, entre nós, a presença de um cineasta que, com apenas dois longas-metragens, ao cabo de mais de três décadas realizando e discutindo filmes, mostra-se em plena maturidade.
E capaz de conduzir uma história de extrema complexidade, com resultados técnicos significativos, fotografia deslumbrante de Hamilton Oliveira e a presença orgânica dos atores em cena, com particular visão de mundo, observada desde os seus curtas mais longínquos, que se expande para um exercício crítico da sociedade em que vive.
É como se Navarro, antes de romper com a linguagem clássica, agora, quisesse nos dizer que existe uma cartilha e que a domina. Eu Me Lembro descortina a personalidade de um menino que, entre todos os dilemas enfrentados na vida, tem um questionamento maior. Algo como: “Se deus existe, porque ele não aparece para nós?” E se ele não aparece significa então que somos o deus e a nós cabe o pleno domínio e a escrita da vida. Navarro assina e fecha essas duas páginas com sublimes epifanias, em direção ao céu.
Que pena ser uma resenha tendenciosa, provavelmente comprometida. Assim como existem pontos positivos e interessantes (o melhor, pra mim, nem foi citado, que é o registro da cultura local da pequena cidade de Igatú), existem varios, varios negativos. Edgard Navarro foi pretensioso, isso é bem claro, tentando chamar atençao com “visceralidades” datadas e deslocadas e personagens caricatos, mas no final a “moral” da historia é comunicada com uma literalidade tamanha que me senti vendo um filme infantil.
Esse filme nunca vai ganhar as grandes telas, a reação de estranheza da receptiva platéia foi a prova disso, e honestamente fiquei com pena do diretor de eternizar a sua incompetencia e pretensão. Assim como fico com vergonha de jornalistas que fazem resenhas tao unilaterais e insossas como o Adalberto Meireles. Purgatório mesmo foi aguentar 100 minutos de um filme extremamente confuso e sair pensando como o nosso dinheiro publico tem sido gasto..
Caro Luciano Freitas, minha ideia ao publicar esse blog foi justamente essa, provocar a reflexão. Há muito o que dizer sobre O Homem Que Não Dormia, que está apenas iniciando a carreira rumo ao Festival de Brasília. Não tenho comprometimento, não acho que a qualquer obra se deva conceder privilégio especial: gosto mesmo do filme de Edgard Navarro, com o qual me surpreendi. O Homem Que Não Dormia estabelece um corte na narrativa e, nesse sentido, acredito que não deve ser visto sob a perspectiva do cinema com roteiro clássico, que leva à explicação de todas as coisas. Acredito também que o purgatório seja de todos nós, como está dito lá, na resenha. É uma arte que fere. Vejo como natural esse incômodo que o filme de Edgard Navarro provoca.
Prezado Adalberto,
Vi o filme hoje e concordo plenamente com o Luciano. Aliás, ele foi muito condescendente. O filme é pretensioso e tenta fazer uma mistura de estranhamentos algo hermético – talvez, uma reinvenção de Glauber Rocha. Mas acaba apenas no tosco e, muitas vezes, ridículo. De fato, dinheiro jogado fora – e tempo do espectador também. Salva-se a fotografia e algumas cenas muito pontuais que captam a beleza da natureza. O roteiro e a montagem são sofríveis, dignas de uma framboesa de ouro latina.
Caro Eric, o importante é manifestar a opinião, livremente, sem ofensas. É é o que você faz. Aproveito para indicar um outro comentário que acabo de fazer no blog sobre o filme de Navarro. Apareça sempre: http://migre.me/8SAFk
Concordo com o Luciano, o fime é pessimo e essa resenha parece até release pago. Se voce quer ser crítico, e mesmo gostando do filme, podia mostrar os dois lados da moeda, nao é? Olha que eu gosto de David Linch, Lars Von Trier e até Glauber Rocha, e acho que posso dizer que a possibilidade de uma pessoa gostar desse filme é pequena, portanto a probabilidade de um leitor ler isso, procurar o filme, achar péssimo e perder totalmente a credibilidade em voce é grande. Fica aqui minha sugestão construtiva.
Cara Renata: por que gostar de David Lynch, Lars Von Trier e “até” Glauber Rocha? E por que não gostar de Edgard Navarro? Falo sobre os motivos pelos quais: se gosto é porque existem um, dois, mais. O importante é saber dizer os porquês. E as razões passam por um processo muito mais profundo do que simplesmente detectar os pontos negativos e positivos de um filme, um quadro, um livro… Um artigo, uma crítica, uma resenha, vá lá o que seja, não pode (nem vai) ter pretensão de esgotar a obra. Com certeza, terei ainda muito o que dizer sobre o filme de Navarro, independentemente de outros gostarem ou não. Como outros terão muito o que falar, independentemente de eu gostar ou não.
Não faço prognóstico, não condiciono qualidade artística a possibilidade de retorno de bilheteria. Trabalho no campo da reflexão que produz ideias sobre a obra de arte. E arte para mim pode estar em todas as coisas. Modero todos os comentários que me são enviados. Liberei o seu e o de Luciano por prezar, acima de tudo, a liberdade de expressão. Mas aviso: o .C de Cinema não é território abandonado, campo aberto a leviandades. Não vou liberar mais comentários desrespeitosos a mim ou a qualquer pessoa. Considerações do tipo “resenha tendenciosa, provavelmente comprometida”, “parece release pago”, “tenho pena de jornalistas…” Por favor, mande reflexões consitentes sobre Edgard Navarro, David Lynch, Lars Von Trier e “até” sobre Glauber Rocha.
Navarro provou de seu próprio veneno ao tentar lançar sua obra “maturada por 30 anos” num dos seminários mais importantes do Brasil. Ele fez um filme para sí e para seu pequeno grupo de amigos intelectuais, pena, pois esse nunca será esse pequeno grupo que irá fazê-lo alcançar novos horizontes e brilhar no cenário nacional.
Ah, minha critica sobre o filme nesse link: http://www.saladacultural.com.br/cinema/filme/filme.cfm?cinefuturo&secao=criticas&critica=critica-o-homem-que-nao-dormia-mostra-internacional-por-angelo-costa-dos-santos
Peço perdão perdão pelos erros no comentário acima, foi a pressa em digitá-la.
Acredito que, levando-se em conta os indicativos de desarticulação na narrativa cinematográfica, O Homem Que Não Dormia se alimenta justamente disso: o filme é desenvolvido em três planos, francamente perceptíveis, o da realidade cabal, estrita, que tem a ver com o sonho e os sonhadores; o do comentário sobre essa realidade, feita pelos homens do boteco da esquina, remetendo-nos ao coro do teatro grego; e o do resgate desse sonho, pairado pela presença do peregrino, do barão e tantos outros numa formulação impactual e delirante. É aí que a porca torce o rabo.
Adalberto, me desculpe pela sinceridade, apenas falei minha opinião de forma parresiasta, mas reconheço que descuidada.
Quanto ao Angelo, a sua excelente resenha é uma prova de que existe o outro lado da moeda, o qual voce nem sequer fez menção, então acho que ilustra bastante a critica construtiva que tentei fazer e não me senti compreendida. Alias, virei fã do Angelo, Ele vingou minha revolta de ter visto esse filme, falando embasadamente os indisfarçaveis pontos negativos dessa “obra”.
Valeu, Renata. Volte sempre.
Sinceramente, eu queria conseguir enxergar alguma “organicidade” nas atuações desse filme, sendo que a propria proposta de mistura onírica e uma certa caricatura de pontos da sociedade já demonstra uma certa incoerência no comentário.
Vejo coerência na condução e orientação dos atores – da turma do bar (ou mercearia) da esquina, uma espécie de coro grego, aos próprios sonhadores e sua movimentação em cena. Quanto à segunda parte do seu comentário, “sendo que a própria…”, desculpe, mas não entendi.
Não sou jornalista, talvez não de palavras bonitas assertivas dentro do que se espera??????????
Espera-se o que?
Escrevo do que senti ao assistir o filme por duas vezes. A primeira estávamos em um grupinho de senhoras que ao acabar os créditos ainda ficamos imobilizadas sem fala (da primeira vez). Fui assistir mais uma vez sózinha.
Pois bem na primeira vez fomos tomar um café aqui no Unibanco Salvador e pudemos conversar um pouco sobre o referido filme.
Falamos do que sentimos, das lembranças que nos remeteu principalmente os sonhos, para nós foi unanime falar da cena quase no final ou por não dizer final pois foi a que nos marcou.
O PADRE LIBERTO DAS AMARRAS. Nesse filme e com o padre amarras estas que sua escolha (ser padre) e por não dizer a sociedade movida a uma MORAL me desculpem me falta a palavra mais adequada, enfim um estar dissimulado,encoberto, mas que me assalta na calada da noite através dos SONHOS.Talvez uma falsa moral.
Frequento muito o cinema no mínimo duas vezes por semana e tenho visto aqui em Salvador onde resido os filmes que mostram a MISÉRIA, DOR, CONFLITOS, deixam sempre a sala VAZIA. Me pergunto por que? Que medo e dificuldade temos em lidar com sentimentos mais profundos, por que não conseguimos sair da SUPERFICIALIDADE da vida?
Adoraria que filmes como LIXO EXTRAORDINÁRIO, GARAPA, O BAIXIO DAS BESTAS…..e muitos outros fizessem parte de curricullum de cursos para que ao sair formados os estudantes soubessem um pouquinho da realidade em que vivemos. Infelizmente a vida não é só compras nos shoppings centers.
Busco respostas, através dos filmes, livros, do estar aberta a novos aprendizados, novas vivências……..espero continuar assim nos meus 67 anos.
Adalberto vou procurar entrar mais no seu blog.
Infelizmente as pessoas, em sua maioria, vão ao cinema em busca de diversão fácil, ligeira, do filme que não atrapalhe o que consideram mais importante – a pipoca, a conversa, o namoro ou vá lá o que seja. Dagmar, você mostra que está em um bom caminho, em sua busca pela compreensão do filme. Obrigado pela presença aqui no blog. Volte sempre.
O filme de Navarro chegou em minhas mãos por acaso e desde o inicio julguei que o filme seria ótimo, cenário, fotografia e um roteiro no qual eu não tinha a minima ideia de como seria o final.Fiquei atenta o tempo todo para tentar compreeder o filme. O recorte do filme considero o maior desafio igual um poema que se lê diversas vezes e depois de muitas leituras a ficha cai.em minha leitura percebi vários questionamentos (Socio economico cultural) sobre a fé, o comportamento machista, como a falta de conhecimento pode acarretar em violência. Também me arremeteu a minha infância a minha avó, que contava causo no interior de Santa Catarina, a cena onde as pessoas estavam reunidas ouvindo a história parecia a mesma enfim a cultura popular como pano de fundo. Confesso que algumas cenas foram bem fortes, mas muito interessante. Achei o filme o máximo sei que não vai cair no gosto popular, mas a maioria dos filmes que gosto não encontro compahia.